sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Pra pensar Direito. (Março de 2010)


O PRIVILÉGIO DA (DES)IGUALDADE.
Por. Hélio Cimini. Advogado, Professor Universitário em Cel. Fabriciano e Ipatinga-MG nos cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito.

   Dias 3 a 5 de março de 2010 o STF realizará audiência pública sobre “ações
afirmativas”1, nesse particular sobre o sistema de cotas para afrodescendentes
implantado pela UNB. Ali muito se falará de justiça, liberdade e igualdade, cada um defendendo as mais fundadas razões e pontos de vista cuja amplitude não é objeto momentâneo de nossa discussão senão para ilustrar a vacância e abstração dos termos.
   Em uma primeira análise, se no sentido tradicional justiça é dar a cada um o que é seu, deveríamos nos contentar, pelo menos a princípio, com a riqueza dos que sempre foram ricos e o seu e cada um daqueles que nunca possuíram nada de seu além da pobreza miserável que assola. Daí porque houve três momentos distintos na história em que foi dito o que: “Todos os homens são livres e iguais.”  
   Trata-se de uma possibilidade de resolver o problema do dar o seu de cada um ou ainda, permitir que cada um busque a sua justiça – seja a justiça meio ou a justiça fim - em condições iguais, com liberdade efetiva, e sobretudo liberdade que seja eficaz.

   Quanto à liberdade, vamos encontrar o termo em três momentos históricos
distintos. Em 1.776 na Declaração de independência dos Estados Americanos; em 1.789 na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Agora, daí acreditar que todos os homens nasçam de fato livres e iguais seria dar vazão ao ilógico devaneio de estudantado – não raro alimentado por informações docentes - uma vez que de imediato, do ponto de vista literal e biológico, nascemos acorrentados e por outro lado, somos muito diferentes.
   Nem livres nem iguais, portanto.
   Em cada momento histórico encontraremos o significado da palavra liberdade e igualdade. De fato, uma autêntica “redefinição dos conceitos”2 acontece quando passamos da liberdade negativa (aquela que não nos impede de fazer as condutas não proibidas) para a liberdade autônoma (quando passamos a construir leis em benefício do corpo social) ao que chamamos liberdade rousseauniana, aquela mesma do contratualismo.3
   Outro ponto de transcendência é quando assumimos a concepção positiva de
liberdade e passamos ter condições jurídicas e materiais de tornar efetivas as normas constitucionais garantistas. Numa outra acepção, trata-se da fase instrumental do processo, onde não sendo um fim em si mesmo – ultrapassada que está a fase científica e imanentista – o processo tem por finalidade garantir o direito material estabelecido no ordenamento sob pena da crise do direito e insegurança jurídica. E é nesse contexto de liberdade positiva que vamos encontrar a justificativa correta – em que pesem as vozes em sentido diverso – para as ações afirmativas do governo, dentre estas a possibilidade de abertura de “cotas para afrodescendentes” 4 em universidades. A liberdade positiva
sinaliza que o ser humano deve ser livre e protegido em sua liberdade na medida que: todo e qualquer ser humano deve ter o poder efetivo de traduzir em comportamentos concretos os comportamentos abstratos previstos pelas normas constitucionais que atribuem este ou aquele direito, e portanto, deve possuir, ele próprio, ou como quota de uma propriedade coletiva, bens suficientes para uma vida digna.5
   Assim, entre a ontologia Aristotélica e a deontologia de Platão muito bem trazida pelo simbolismo da Escola de Atenas, 6 a liberdade positiva serve de parâmetro para a eficácia dos preceitos constitucionais da liberdade e igualdade.
    Ora! Se a igualdade começou a ser manietada com ações discriminatórias de raça e cor, melhor que a reparação venha também sob esse prisma.
Se para uns a igualdade jurídica tem por efeito uma desigualdade de fato, o que se torna por vezes um privilégio, mister reconhecer, por outro lado, que a desigualdade de fato tem como pressuposto uma desigualdade jurídica, que até agora não representa nenhum privilégio que não o seu de cada um7, e se o “dever ser” da norma constitucional garante uma igualdade livre, garante uma acesso ao judiciário (justiça) o trabalho do direito começa por aí, ou seja o reconhecimento e proteção uniforme das desigualdades, e além disso, um tratamento desigual por parte da lei, em puro e autentico respeito às diferenças.

   Não devemos confundir Ações afirmativas com o sistema de cotas. Aquelas são os meios pelos quais vão se garantir direitos perseguidos pelos indivíduos e garantidos pelo Estado, estes são apenas uma das formas de ações afirmativas.    As primeiras o gênero da qual o sistema de cotas é a espécie.
    De tudo, fica a certeza de que estamos apenas começando... acham bonitos os gramados de Oxford, Cambridge? Nasceram de uma semente e séculos de cuidados!
   
1ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n 186 tendo como impetrante o partido
DEMOCRATA contra ato da UNB que fixou o sistema de cotas para negros.
2BOBBIO, Norberto. O terceiro ausente. Barueri – SP: Manole. P.89
3No Contrato Social Rousseau vai dizer que liberdade “é a obediência à lei que prescrevemos a nós
mesmos.”

BOBBIO, Norberto. O terceiro ausente. Barueri – SP: Manole. P.89
 
6 Rafael Sanzio, pintor renascentista retratou a Escola de Atenas com Aristóteles com as mãos para baixo,
sinalizando o chão, o plano do concreto, do ser (ontologia), e ao seu lado Platão, com as mãos voltadas
para o céu, ou seja, o plano do dever ser, do abstrato.(deontologia)
7ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Políticos yConstitucionales; 2001

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Parecer prévio de Tribunal de Contas que opina pela rejeição de conta de prefeito, no silêncio da Câmara pode causar, de per si, ineligibilidade?

Vejam a quantas andam:

REPERCUSSÃO GERAL
Rejeição de contas de prefeito pelo tribunal de contas e ausência de decisão da câmara legislativa - 2
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute se o parecer prévio de tribunal de contas municipal pela rejeição das contas de prefeito, ante o silêncio da câmara municipal, enseja a inelegibilidade prevista no art. 1º, I, g, da LC 64/90 — v. Informativo 588. Preliminarmente, indeferiu-se pedido de ingresso de amici curiae, formulado pela União dos Vereadores do Brasil, pelo Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e pela Associação dos Membros de Tribunais de Contas do Brasil. Realçou-se que o pleito teria sido solicitado após o início do julgamento do recurso, o que a Corte inadmitiria. Além disso, rejeitou-se questão de ordem suscitada da tribuna no sentido de que o feito fosse encaminhado ao Min. Luiz Fux — sucessor do Min. Eros Grau, relator originário — a fim de que se manifestasse, ante a ausência de pronunciamento do relator, sobre a possibilidade de tribunais de contas julgarem atos de gestão de prefeitos. O Min. Dias Toffoli anotou ser desnecessário abordar todas as questões argüidas. O Min. Cezar Peluso, Presidente, sublinhou que eventual omissão sobre algum fundamento recursal poderia ser suprida pelos votos dos demais Ministros. A Min. Cármen Lúcia, por sua vez, observou a viabilidade de manejo de embargos declaratórios, se necessário.
RE 597362/BA, rel. Min. Eros Grau, 7.12.2011. (RE-597362) Audio

Rejeição de contas de prefeito pelo tribunal de contas e ausência de decisão da câmara legislativa - 3
No mérito, em voto-vista, o Min. Dias Toffoli divergiu do relator, para prover o recurso e afirmar a inelegibilidade do recorrido para o pleito municipal de 2008. Aduziu que a norma contida no art. 31, § 2º, da CF (“Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei ... § 2º - O parecer prévio, emitido pelo órgão competente sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal”) deveria ser interpretada de modo a entender-se que competiria à câmara municipal a fiscalização das contas do município, mediante controle externo, o qual se daria com o auxílio do tribunal de contas municipal. O parecer prévio emitido por este órgão, a seu turno, apenas deixaria de prevalecer por decisão de dois terços dos membros do Poder Legislativo local. Esse documento, então, passaria a produzir efeitos integralmente a partir de sua edição. A sua eficácia cessaria, porém, se e quando apreciado e rejeitado por deliberação dos vereadores. Ressurtiu que entendimento contrário teria a conseqüência prática de tornar o parecer emitido pelo órgão competente um nada jurídico, dado o efeito paralisante de uma omissão do Poder Legislativo.
RE 597362/BA, rel. Min. Eros Grau, 7.12.2011. (RE-597362)

Rejeição de contas de prefeito pelo tribunal de contas e ausência de decisão da câmara legislativa - 4
Consignou que embora houvesse outros atos jurídicos dependentes, por sua natureza composta ou complexa, de fatores eficaciais, dois elementos deveriam ser levados em consideração no caso. Em primeiro lugar, se o parecer fosse compreendido nos termos do voto do relator, abrir-se-ia margem para que toda sorte de ingerências políticas impedissem, indefinidamente, a análise de pareceres potencialmente contrários a interesses que influenciassem composições parlamentares em dadas circunstâncias. Assim, se o parecer não fosse apreciado, por tempo indefinido, dado que a omissão seria menos custosa politicamente do que a rejeição, o art. 31, § 2º, da CF tornaria-se-ia letra morta ou, ao menos, norma passível de contorno político. Frisou não se poder permitir que os vereadores fossem desviados de sua obrigação constitucional. Lembrou haver negligência por parte das câmaras municipais na avaliação desses pareceres, o que apenas colaboraria para o descrédito da população no Poder Legislativo e no regime democrático. Ressaiu que o STF não estaria a interferir na autonomia do Legislativo, mas apenas daria meios para que os parlamentares cumprissem seu dever, sob pena de que a vontade de seus órgãos auxiliares tivesse preeminência sobre a daqueles.
RE 597362/BA, rel. Min. Eros Grau, 7.12.2011. (RE-597362)

Rejeição de contas de prefeito pelo tribunal de contas e ausência de decisão da câmara legislativa - 5
Por outro lado, asseverou que a construção frasal levada a efeito no art. 31, § 2º, da CF, seria explícita. Nesse sentido, o legislador poderia ter afirmado que o parecer dependeria de homologação ou de aprovação, mas não o fizera. Reputou que a eficácia jurídica do silêncio aplicar-se-ia, também, ao direito administrativo e que, no plano da eficácia, a aludida norma constitucional teria atribuído à deliberação da câmara de vereadores a natureza de fator de ineficácia superveniente, na hipótese de rejeição, por maioria de dois terços, do parecer. Operar-se-ia, portanto, a desconstituição da realidade jurídica advinda do documento, a qual não se daria instantaneamente e careceria de outros fatores para sua implementação e seu aperfeiçoamento. Por isso, dever-se-ia conferir tempo necessário, mas não indefinido, para que o legislativo decidisse pela ineficácia ou pela expansão eficacial absoluta do parecer prévio. Dessumiu que essa interpretação, igualmente, imporia que as maiorias fossem formadas nas câmaras para deliberar a respeito. Após, pediu vista a Min. Cármen Lúcia.
RE 597362/BA, rel. Min. Eros Grau, 7.12.2011. (RE-597362)