O PRIVILÉGIO DA (DES)IGUALDADE.
Por. Hélio Cimini. Advogado, Professor Universitário em Cel. Fabriciano e Ipatinga-MG nos cursos de Graduação e Pós Graduação em Direito.
Dias 3 a 5 de março de 2010 o STF realizará audiência pública sobre “ações
afirmativas”1, nesse particular sobre o sistema de cotas para afrodescendentes
implantado pela UNB. Ali muito se falará de justiça, liberdade e igualdade, cada um defendendo as mais fundadas razões e pontos de vista cuja amplitude não é objeto momentâneo de nossa discussão senão para ilustrar a vacância e abstração dos termos.
Em uma primeira análise, se no sentido tradicional justiça é dar a cada um o que é seu, deveríamos nos contentar, pelo menos a princípio, com a riqueza dos que sempre foram ricos e o seu e cada um daqueles que nunca possuíram nada de seu além da pobreza miserável que assola. Daí porque houve três momentos distintos na história em que foi dito o que: “Todos os homens são livres e iguais.”
Trata-se de uma possibilidade de resolver o problema do dar o seu de cada um ou ainda, permitir que cada um busque a sua justiça – seja a justiça meio ou a justiça fim - em condições iguais, com liberdade efetiva, e sobretudo liberdade que seja eficaz.
Quanto à liberdade, vamos encontrar o termo em três momentos históricos
distintos. Em 1.776 na Declaração de independência dos Estados Americanos; em 1.789 na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e em 1948 com a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Agora, daí acreditar que todos os homens nasçam de fato livres e iguais seria dar vazão ao ilógico devaneio de estudantado – não raro alimentado por informações docentes - uma vez que de imediato, do ponto de vista literal e biológico, nascemos acorrentados e por outro lado, somos muito diferentes.
Nem livres nem iguais, portanto.
Em cada momento histórico encontraremos o significado da palavra liberdade e igualdade. De fato, uma autêntica “redefinição dos conceitos”2 acontece quando passamos da liberdade negativa (aquela que não nos impede de fazer as condutas não proibidas) para a liberdade autônoma (quando passamos a construir leis em benefício do corpo social) ao que chamamos liberdade rousseauniana, aquela mesma do contratualismo.3
Outro ponto de transcendência é quando assumimos a concepção positiva de
liberdade e passamos ter condições jurídicas e materiais de tornar efetivas as normas constitucionais garantistas. Numa outra acepção, trata-se da fase instrumental do processo, onde não sendo um fim em si mesmo – ultrapassada que está a fase científica e imanentista – o processo tem por finalidade garantir o direito material estabelecido no ordenamento sob pena da crise do direito e insegurança jurídica. E é nesse contexto de liberdade positiva que vamos encontrar a justificativa correta – em que pesem as vozes em sentido diverso – para as ações afirmativas do governo, dentre estas a possibilidade de abertura de “cotas para afrodescendentes” 4 em universidades. A liberdade positiva
sinaliza que o ser humano deve ser livre e protegido em sua liberdade na medida que: todo e qualquer ser humano deve ter o poder efetivo de traduzir em comportamentos concretos os comportamentos abstratos previstos pelas normas constitucionais que atribuem este ou aquele direito, e portanto, deve possuir, ele próprio, ou como quota de uma propriedade coletiva, bens suficientes para uma vida digna.5
Assim, entre a ontologia Aristotélica e a deontologia de Platão muito bem trazida pelo simbolismo da Escola de Atenas, 6 a liberdade positiva serve de parâmetro para a eficácia dos preceitos constitucionais da liberdade e igualdade.
Ora! Se a igualdade começou a ser manietada com ações discriminatórias de raça e cor, melhor que a reparação venha também sob esse prisma.
Se para uns a igualdade jurídica tem por efeito uma desigualdade de fato, o que se torna por vezes um privilégio, mister reconhecer, por outro lado, que a desigualdade de fato tem como pressuposto uma desigualdade jurídica, que até agora não representa nenhum privilégio que não o seu de cada um7, e se o “dever ser” da norma constitucional garante uma igualdade livre, garante uma acesso ao judiciário (justiça) o trabalho do direito começa por aí, ou seja o reconhecimento e proteção uniforme das desigualdades, e além disso, um tratamento desigual por parte da lei, em puro e autentico respeito às diferenças.
Não devemos confundir Ações afirmativas com o sistema de cotas. Aquelas são os meios pelos quais vão se garantir direitos perseguidos pelos indivíduos e garantidos pelo Estado, estes são apenas uma das formas de ações afirmativas. As primeiras o gênero da qual o sistema de cotas é a espécie.
De tudo, fica a certeza de que estamos apenas começando... acham bonitos os gramados de Oxford, Cambridge? Nasceram de uma semente e séculos de cuidados!
1ADPF (Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental) n 186 tendo como impetrante o partido
DEMOCRATA contra ato da UNB que fixou o sistema de cotas para negros.
2BOBBIO, Norberto. O terceiro ausente. Barueri – SP: Manole. P.89
3No Contrato Social Rousseau vai dizer que liberdade “é a obediência à lei que prescrevemos a nós
mesmos.”
BOBBIO, Norberto. O terceiro ausente. Barueri – SP: Manole. P.89
6 Rafael Sanzio, pintor renascentista retratou a Escola de Atenas com Aristóteles com as mãos para baixo,
sinalizando o chão, o plano do concreto, do ser (ontologia), e ao seu lado Platão, com as mãos voltadas
para o céu, ou seja, o plano do dever ser, do abstrato.(deontologia)
7ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios
Políticos yConstitucionales; 2001
Tens toda a razão, professor.A questão racial perdura por vários séculos, e, para alguns, a diferença de cor significa ainda, nos tempos atuais, inferioridade.Devemos, pelo, menos, diminuir o mal que causamos a este classe tão digna, senão até mais que nós.
ResponderExcluirAbraço!
E aí Professor Hélio. A nossa turma sempre diz o seu nome como um dos melhores professores da nossa turma até hoje. Parabéns. Estou te seguindo e caso possa me dar a honra de me seguir no meu blog Zoioticanalise = análise de zóio (forma grotesca de dizer olhos). Eis o link: http://wwwzoioticanalise.blogspot.com/
ResponderExcluirParabéns pelos temas muito oportunos e com informações funcionais, práticos e operacionais. Esta deve ser a nova vertente do Direito na contemporaneidade.
Se puder ler minha reflexão que ouso dizer ser um cronicar dos tropeços no trâmite ao conhecimento jurídico. A psicologia funcional e o Direito.
ResponderExcluirEis o Link: http://wwwzoioticanalise.blogspot.com/2011/11/psicologia-funcional-e-o-direito.html